Perfil das vítimas
A desembargadora Nágila Brito, do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), diz que há um padrão nas vítimas de feminicídio no estado. “Fizemos um levantamento entre as comarcas o qual apontou que 86,26% das vítimas de violência doméstica são mulheres negras, com idade entre 20 e 39 anos. Os crimes são praticados por seus companheiros, geralmente pela noite. Isso gera uma preocupação, porque o lar deveria ser o lugar onde elas estariam mais seguras”, afirmou.
A Secretaria da Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) afirmou, em nota, que vem ampliando a rede de proteção: criou o Departamento de Proteção à Mulher, Cidadania e Pessoas Vulneráveis (DPMCV) na Polícia Civil e transformou a Operação Ronda Maria da Penha em Batalhão de Proteção à Mulher, para aumentar o alcance do atendimento.
Atualmente, segundo a SSP-BA, o estado dispõe de 15 Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs) e 13 Núcleos Especiais de Atendimento à Mulher (NEAMs), voltados à prisão de agressores. A Polícia Militar também informou realizar visitas periódicas às mulheres que contam com medida protetiva. De acordo com a PM, elas têm contato direto com as patrulhas e, caso a ordem judicial seja descumprida, o agressor é preso imediatamente.
Apesar dos avanços, o problema persiste. Em apenas cinco dias, entre os dias 12 e 16 de abril deste ano, três mulheres foram vítimas de feminicídio no estado.
Por que as leis não têm sido eficazes?
Crimes de ódio contra as mulheres, como os citados acima, demonstram que as iniciativas do estado e da Justiça para coibir violência de gênero ainda são insuficientes. Para Flávia Nogueira Gomes e Gabriela Lins Vergolino, pesquisadoras do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher da Universidade Federal da Bahia (PPGNEIM/Ufba), esse cenário se deve a estruturas que ainda prevalecem na sociedade.
“Entre as causas mais apontadas para a não efetividade legal plena, está a própria divisão organizacional das sociedades, que atribui privilégios para os homens e subordinação para as mulheres. A consolidação de instituições e processos sociais e educativos levam tempo e são observados ao longo das últimas décadas”, aponta a dupla, em texto enviado ao CORREIO.
Elas percebem ainda a limitação dos alcances das leis, que confrontam inúmeras fragilidades, como a ausência de uniformização de metodologia fiável para levantamento de dados sobre os casos de violências contra mulheres entre os estados brasileiros, especialmente sobre crimes praticados na esfera privada e familiar. “Isso dificulta a efetivação da criação e organização de redes e programas nacionais de apoio às vítimas, seja psicológico, jurídico ou de saúde, mesmo após a criação das leis”, alertam.
Diante da conjuntura, Flávia Nogueira e Gabriela Lins destacam a importância da educação, que tem papel fundamental na prevenção e combate à violência. “[Esse papel é exercido] ao promover a conscientização sobre o problema e desconstruindo estereótipos, [ao] promover relações saudáveis e igualitárias, ajudando a identificar os sinais da escalada de violência e a compreender as suas causas e consequências, através da informação e do diálogo, já que muitas dessas manifestações refletem uma sociedade cujas relações são pautadas pelo poder”, finalizam.
Na avaliação da desembargadora Nágila Brito, é preciso haver uma atuação integrada em três frentes para conter o avanço desses crimes. “Temos que imaginar a proteção da mulher em alguns eixos. O eixo do Judiciário, que precisa julgar com perspectiva de gênero, garantindo mais medidas protetivas e uma maior fiscalização do cumprimento delas. O eixo policial que precisa estar a posto para se deslocar rapidamente quando recebe um chamado", analisou.
"Os inquéritos precisam ser mais céleres para que não prescrevam. Além do eixo comunitário, que precisa denunciar os casos de violência. Quando um desses eixos falha, aumenta as chances que uma mulher possa vir a óbito”, completou a desembargadora.